Stablecoins afetam depósitos bancários e política monetária, afirma Campos Neto
O ex-presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, fala que o crescimento das stablecoins já está mudando a economia tradicional. Hoje, ele é o chefe Global de Políticas Públicas do Nubank e destaca como a popularização desses ativos digitais está fazendo com que muitos investimentos sejam retirados do sistema bancário. Isso, segundo ele, diminui a capacidade dos bancos de oferecer crédito, o que pode enfraquecer um dos principais mecanismos de política monetária.
Durante o evento DCA 2025, que ocorreu em parceria com o Mercado Bitcoin, Campos Neto enfatizou que quando as pessoas retiram dinheiro dos bancos para investir em ativos digitais, a capacidade de crédito das instituições financeiras é reduzida. Ele menciona que essa é uma preocupação crescente em vários países e deve ser um tema de destaque nas conversas entre autoridades monetárias nos próximos meses.
O ex-presidente também aponta que o impacto vai além do crédito. Ele nota que as stablecoins estão se tornando cada vez mais uma forma de manter valor, especialmente em países em desenvolvimento. É interessante notar que em alguns mercados, o crescimento anual dessas moedas é superior a 200%. No entanto, a maioria ainda não está sendo usada como forma de pagamento, mas sim como uma alternativa para proteger o patrimônio em relação às flutuações cambiais.
Para ilustrar a situação, Campos Neto compara a circulação das stablecoins com o chamado “quase dinheiro”, que inclui ativos líquidos, mas que não são considerados dinheiro de fato. Ele observa que a circulação das stablecoins é três vezes menor, reforçando seu papel como uma poupança em moeda forte.
Ele acredita que essa mudança pode fazer com que os bancos centrais percam um pouco da eficácia com suas políticas monetárias. Quando muitos recursos são migrados dos depósitos tradicionais para ativos digitais, a base que os bancos centrais utilizam para realizar ajustes de juros se reduz. Isso significa que, mesmo que o banco central mude as taxas de juros, o impacto na economia real será menor, pois continua crescendo a quantidade de riqueza alocada fora do alcance da moeda local.
Tokenização
Além das stablecoins, Campos Neto também discutiu a questão da tokenização de ativos. Para ele, embora isso tenha avançado menos do que ele esperava em 2020, nos próximos anos é provável que ganhe mais força. Essa evolução pode ser impulsionada pela soma da tokenização com novas tecnologias, como o Open Finance e a inteligência artificial.
Ele vê um futuro promissor, onde essa combinação pode transformar a forma como as finanças são intermediaras, possibilitando desde leilões automatizados até assessoria financeira baseada em IA. Campos Neto acredita que o Brasil pode ser uma referência nesse cenário, assim como já aconteceu com iniciativas como o Pix. Ele menciona que o projeto Drex, que envolve depósitos tokenizados, surgiu exatamente para atenuar os efeitos da desintermediação bancária.
O ex-presidente também destaca os avanços feitos pelos sistemas de pagamentos instantâneos. Hoje, é mais fácil e rápido fazer transferências internacionais, algo que contrasta muito com a lentidão do sistema financeiro tradicional. Ele ressalta que a transparência e a segregação de colaterais são fundamentais para aumentar a segurança nas transações envolvendo ativos digitais, assim como para fortalecer a confiança dos investidores. Claro que ainda há desafios, especialmente na custódia desses ativos, mas ele reconhece a evolução do setor após incidentes como a queda da FTX, que expôs a falta de clareza sobre colaterais.
O futuro próximo
Olhar para os próximos anos é empolgante para Campos Neto. Ele percebe uma nova onda de crescimento das stablecoins, que promete ser ainda maior do que o das criptomoedas em geral. Isso pode até substituir parte da base monetária em determinados contextos.
Além disso, existe a possibilidade de criação de fundos tokenizados que poderiam ser utilizados para pagamentos. Ele ressalta que isso representaria uma mudança estrutural significativa. Porém, Campos Neto também faz um alerta sobre os riscos que surgem nesse cenário disruptivo, que desintermedia não só o crédito, mas também a própria política monetária.
A forma que ele sugere para os reguladores lidarem com isso é oposta ao que tem sido feito. Ao invés de afastar o setor financeiro do digital, ele propõe unir esses dois mundos. Para ele, a solução passa por integrar os ativos digitais no sistema bancário, permitindo que sejam usados como base para a concessão de crédito.